quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Entrevista Revista Algébrica

Joaquim Borges Gouveia, Presidente da Direcção da RNAE – Associação das Agências de Energia e Ambiente – Rede Nacional

"Será necessária pelo menos mais uma década para atingir os principais objectivos de uma iluminação pública eficiente"

A RNAE, em parceria com o CPI – Centro Português de Iluminação e a Ordem dos Engenheiros, propôs recentemente a elaboração de um documento de referência para a eficiência energética na iluminação pública em Portugal. Em termos estratégicos, o que trará este documento ao panorama da iluminação pública?

Entre as linhas de acção mais significativas que as agências de energia e ambiente nacionais têm vindo a levar a cabo, a linha de acção sobre a eficiência energética tem sido uma das mais importantes e com resultados já obtidos no terreno. Por isso, a RNAE tem vindo a trabalhar com as agências de energia e ambiente na promoção da utilização mais racional da energia e, em particular, na eficiência energética, especificamente, no que aos municípios diz respeito, já que são estes os principais responsáveis pela iluminação pública. A iluminação pública, assim como os seus respectivos custos, é da responsabilidade dos municípios e representa, em geral, entre 60 e 70% da factura de energia eléctrica das autarquias. Só este aspecto, por si só, já é mais do que suficiente para motivar uma análise mais aprofundada às instalações, equipamentos e tecnologias que garantem actualmente a iluminação das vias públicas, pois a missão das agências passa também pela melhoria da eficiência energética dos consumos da responsabilidade dos municípios.No entanto, aquilo a que se assiste numa grande parte das situações revela uma deficiente utilização da iluminação quer no que diz respeito ao projecto electrotécnico, quer à deficiente manutenção da instalação de iluminação, quer ainda pela utilização de tecnologias menos adequadas ou mesmo obsoletas. E depois, ainda, a desadequada concepção da iluminação para o espaço que se pretende iluminar, o que revela um projecto menos cuidado ou até sem qualquer estudo prévio que conduza a um projecto electrotécnico bem elaborado e de acordo com as normas internacionais e as boas práticas que hoje em dia o CPI promove.Com este documento tencionamos potenciar a melhoria da capacidade técnica na elaboração de projectos e/ou na requalificação de instalações de iluminação pública, nomeadamente no que aos engenheiros e projectistas diz respeito. E esta capacitação tem que ter o seu início na formação de base. A formação académica nestes domínios já não é a adequada, salvo raras e boas excepções e, portanto, a RNAE irá promover, conjuntamente com o CPI, as necessárias acções para minorar este aspecto que, para a RNAE, é de fundamental importância. Iremos promover, com a parceria do CPI, acções de divulgação e formação junto das universidades, institutos politécnicos e escolas tecnológicas que se manifestem interessadas.Também não descuraremos a formação dos profissionais (em parceria com as entidades adequadas) que hoje integram as equipas técnicas que desenvolvem a sua actividade em torno da iluminação pública – sejam eles operadores da rede eléctrica, técnicos municipais ou das Agências de Energia, comerciais e engenheiros de empresas, investigadores e até responsáveis autárquicos – e que devem tomar consciência da importância de um projecto adequado e em conformidade com os princípios inerentes a uma sustentabilidade energética.Portanto, não tenho dúvidas que este documento irá definir uma linha orientadora para que as nossas instalações de iluminação pública cumpram a sua principal função consumindo o mínimo de energia possível. E será essa linha que passará a constituir a relação entre quem paga (municípios) e quem faz a manutenção (distribuidor de energia) da iluminação pública de Portugal.

Este documento já mereceu uma boa aceitação pelo Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento? Desta forma, poderá conduzir a uma intervenção de fundo em matéria de eficiência na iluminação pública?

Esta proposta foi apresentada pela RNAE à Secretaria de Estado da Energia e da Inovação do Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento (SEEI/MEID), organismo que, pela consonância da proposta e do seu potencial, com os objectivos da Estratégia Nacional para a Energia, fomentou a criação de um Grupo de Trabalho para o desenvolvimento do referido documento.Coordenado pela RNAE, o Grupo de Trabalho contou ainda com a colaboração e envolvimento de outras entidades relevantes para o sector da iluminação pública em Portugal, nomeadamente, a ADENE – Agência para a Energia, a EDP Distribuição e o Lighting Living Lab (C. M. de Águeda), a Ordem dos Engenheiros, entre outras que prestaram também o seu contributo para o enriquecimento do documento. A Associação Nacional dos Municípios Portugueses acompanhou de forma activa a elaboração do documento, já que o mesmo, pelas razões já referidas, vai perfeitamente ao encontro do interesse dos municípios.O envolvimento da própria EDP Distribuição, actual responsável pela manutenção da rede de iluminação pública de praticamente todos os municípios de Portugal, comprova a estreita colaboração e a articulação que se verificou em redor do assunto.Por conseguinte, sem dúvida que este documento constituiu o primeiro passo para melhorar significativamente, e com escala, a eficiência energética da iluminação pública em Portugal.

Crê que poderia ser aplicada à iluminação pública um sistema de certificação algo semelhante àquele que é aplicado aos edifícios?

O documento pretende estabelecer, como referência, uma série de parâmetros técnicos que deve seguir um projecto de iluminação pública de modo a se obter uma maior eficiência energética desta tipologia de instalações. Na elaboração do documento tivemos esse aspecto em conta logo desde o início e o mesmo aponta para a classificação energética de uma instalação de iluminação pública com recurso ao já conhecido código de letras e cores das etiquetas energéticas. Pretendem-se criar as condições para uma posterior certificação do projecto e da instalação de iluminação pública.Esta classificação obtém-se através do cálculo de uma série de parâmetros e tendo em conta determinadas condições de projecto. Assim, e à semelhança do que acontece nos edifícios, uma boa classificação só se obtém se houver um bom projecto.A sensibilidade actual para a sustentabilidade dos municípios potenciará certamente que os mesmos apresentem alguma apetência pelas instalações mais eficientes, que lhes garantam menores consumos e menores custos com energia, pelo que, no entender da RNAE e, basicamente, de toda a parceria, há um enorme potencial para o desenvolvimento de um sistema de certificação também para este sector.

Uma forma de contornar perdas na iluminação pública será o recurso à aplicação de soluções tecnológicas para o controlo inteligente das luminárias?

Também. Hoje em dia existem no mercado diversas soluções e tecnologias que permitem melhorar a eficiência energética dos equipamentos existentes. Alguns sem grande inteligência, até! Basta que permitam reduzir o fluxo luminoso em determinado período da noite para que as luminárias, mesmo que tenham já alguns anos, sejam mais eficientes.Mas claro que há também outro tipo de soluções, essas sim, com inteligência, que tornam a iluminação pública uma área atractiva do ponto de vista da experimentação, da investigação e da optimização da funcionalidade. Refiro-me concretamente a diversos tipo de sensores que começam já a ser utilizados: detectores de movimento, de luminosidade, humidade, temperatura, entre outras. Mas a medida técnica que terá efeito significativo será a de instalar um sistema de monitorização, supervisão, controlo e gestão da iluminação pública. Hoje em dia já há soluções tecnológicas fiáveis e seguras que poderão ajudar os decisores técnicos e também os políticos a efectuarem uma gestão muito mais eficiente da iluminação pública sem qualquer perigo para a segurança, quer técnica, quer de acidentes pessoais, destas instalações cada vez de maior importância na vida dos cidadãos, nos espaços públicos.

Tem surgido um conjunto de alternativas, nomeadamente, às convencionais lâmpadas de vapor de sódio de alta pressão. Entende que é possível adaptar as infra-estruturas existentes à utilização de tecnologias mais eficientes como o LED (Light Emitting Diode)?

Seria possível migrar todo o parque de candeeiros hoje instalado em Portugal para estas novas tecnologias?Os LEDs são uma solução interessante, mas não são ainda a solução! Muito menos para uma migração total! Por um lado, porque implicam a substituição dos equipamentos actuais e essa situação não é sustentável. Nem em termos energéticos, nem em termos ambientais. A grande maioria das luminárias existentes ainda tem algum tempo de vida útil que não deve ser descurado. Por outro, porque a própria tecnologia não está ainda num estado de maturação tal que permita obter ganhos tão significativos se se optar por uma substituição massiva. A própria eficiência lumínica dos LEDs está ainda abaixo das tecnologias convencionais mais eficientes, como o VSAP.E claro, não menos importante, há a questão do projecto de iluminação, da gestão e da manutenção dos equipamentos. O documento de referência, por exemplo, insere-se num quadro de utilização de materiais normalizados pelas autarquias, concessionárias das redes e/ou entidades com responsabilidade de implementar, operar e manter redes de iluminação pública. Os LEDs não fazem ainda parte desta tipologia de equipamentos.

Às soluções já apresentadas em diferentes projectos-piloto são apontados ganhos em termos de consumos que podem ultrapassar os 50%, de durabilidade, de reduzida manutenção e mesmo uma melhoria substancial da qualidade da iluminação. O que falta a estas iniciativas para passarem de projectos-piloto à consagração?

Em qualquer área do domínio tecnológico a consagração passa sempre por projectos-piloto. No caso da iluminação pública já se fazem projectos-piloto há bastante tempo. Demasiado! Há sistemas e tecnologias que estão já muito testadas e cuja eficiência está mais que comprovada, mas assiste-se ainda a uma enorme dificuldade na concretização.A principal razão apontada deve-se à reduzida capacidade e/ou disponibilidade do operador de rede para introduzir outra tipologia de equipamentos na iluminação pública. Centrou-se este processo muito à luz dos chamados contratos de concessão e digamos que se perdeu um pouco a noção da evolução tecnológica e da necessidade de adaptação à realidade no campo da iluminação.Tanto a RNAE, como as agências e os municípios, sentem que não estão garantidas as condições adequadas para que projectos mais eficientes possam ser concretizados. Há ainda um grande entrave para que os equipamentos não incluídos nos equipamentos normalizados possam ser alvo de manutenção ao abrigo dos contratos de concessão. E esse risco os municípios não podem, nem estão dispostos a correr com excepção de acções pontuais, ou seja, em projectos-piloto onde sejam testadas as novas soluções e, depois de devidamente avaliadas, poder fazer delas a sua prática habitual. Mas ainda temos um caminho a percorrer. No entanto, queremos fazê-lo com a pressa dos audazes, mas com a certeza dos concretizadores.

Quais os desafios que se vislumbram nos próximos anos em termos de eficiência energética na iluminação pública? Quanto tempo será ainda necessário esperar para ter cidades mais eficientes nesta matéria?

Obviamente que o principal desafio é tornar as instalações actuais cada vez mais eficientes! Adequando, sempre que possível e de modo viável, as tecnologias existentes a outras que no conjunto permitam ganhos de eficiência. Neste campo há muito trabalho a fazer. Começando nos alunos e nas instituições de ensino, passando pelos gabinetes de projecto e pelas empresas da área da iluminação, não esquecendo todo o corpo técnico que trabalha diariamente na iluminação pública.Há ainda outro desafio que se prende com a adequação dos documentos normativos nesta matéria às possibilidades do mercado actual. Refiro-me concretamente à capacitação de todos os agentes para poderem tornar a iluminação pública efectivamente mais eficiente.Um terceiro desafio que pode ser apontado relaciona-se com a disponibilização de verbas e apoios financeiros que permitam incentivar o desenvolvimento de cada vez mais projectos em cada vez mais municípios ou regiões.Nesta área, surgem agora outros desafios adicionais que aparentam poder facilitar bastante a concretização de investimentos na área da energia e da eficiência energética por parte dos organismos públicos, como os municípios – são os chamados contratos do desempenho energético, conhecidos internacionalmente como “Contratos ESCO”.Quanto tempo? Diria que será necessária pelo menos mais uma década para atingir os principais objectivos de uma iluminação pública eficiente: aposta na formação, regulamentação adequada, promoção e sensibilização para alterações comportamentais, e fomento do desenvolvimento e evolução tecnológica.

Biografia
Joaquim Borges Gouveia assumiu a função de Presidente da Direcção da Associação RNAE – Rede Nacional das Agências de Energia e Ambiente em 2010, tendo exercido, entre 2005 e 2010, a função de Presidente do Conselho Coordenador. Professor Catedrático do Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro, desde Outubro de 2001, Joaquim Borges Gouveia é, também, Director do Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro, desde Janeiro último, e Membro do Conselho Científico da Universidade de Aveiro, desde 2010. É ainda Administrador não Executivo do Conselho de Administração da GALP SGPS, SA, desde Maio de 2008, e Presidente do Conselho de Administração da Energaia, Agência Municipal de Energia de Vila Nova de Gaia.
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